terça-feira, 11 de maio de 2010

Dez anos de responsabilidade com o dinheiro público


Pauta em ponto

Síntese: A Lei de Responsabilidade Fiscal completa dez anos de vigência neste mês.


Hoje uma unanimidade, nem sempre foi assim: os petistas fizeram de tudo para que a
lei não vingasse. Estados e municípios veem demonstrando maior austeridade que a
União, sem prejuízo de também realizarem mais investimento que o governo federal.
Até hoje não foram aprovados e fixados limites para o endividamento da União. Mas,
não satisfeito com a liberdade de que dispõe, o governo Lula tem buscado seguidos
subterfúgios para escapar da disciplina imposta pela LRF.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) completa dez anos de vigência neste
mês. Ao longo deste período, permitiu ao país resistir a crises financeiras que,
fosse outro o arcabouço legal, poderiam ter sido bem mais severas. Hoje
saudada por todos como um marco no trato dos recursos públicos, nem sempre
a LRF gozou de unanimidade: em 2000, foi aprovada no Congresso sob
ferrenha oposição do PT.
A LRF começara a nascer 12 anos antes, quando das discussões havidas na
Assembleia Constituinte. Partiu do então deputado José Serra, relator da
Comissão de Finanças e Tributação, a iniciativa que resultaria no artigo 163 da
Constituição de 1988, prevendo a edição de uma lei complementar para
disciplinar as finanças do país. Alguns anos depois, proposto pelo presidente
Fernando Henrique, tal dispositivo chegaria ao Congresso e desembocaria na
LRF.
A estabilidade monetária ainda era uma conquista recente e, naquela época,
ainda era recorrente a edição de pacotes fiscais de fim de ano, necessários para
fechar as contas públicas. O resultado era danoso para o ambiente econômico
do país. A LRF veio pôr fim a esta repetitiva imprevisibilidade. Com ela, fechouse
um ciclo de mudanças institucionais que deram ao Brasil a condição de
poder decolar rumo ao crescimento sustentado.
O processo começou com o Plano Real, em 1994, ainda no governo Itamar
Franco. Passou pela renegociação das dívidas de estados e municípios; pelo
fortalecimento do setor bancário, com o Proer; pela adoção do sistema de
metas de inflação e do câmbio flutuante, no último ano do século passado. É
sobre este arcabouço institucional – tecido, após a estabilização, integralmente
sob o governo do PSDB – que a prosperidade nacional repousa até hoje.
Avanços posteriores não existiram.
Oposição raivosa
Poderia ter sido diferente, caso o PT tivesse triunfado na sua sistemática
estratégia oposicionista. Os petistas fizeram de tudo para que a LRF não
vingasse. Quando o projeto de lei foi levado à votação na Câmara, em janeiro
de 2000, o partido votou em bloco contra a sua aprovação. Da lista de “não”
daquela sessão constam parlamentares que viriam a ocupar sete ministérios no
governo Lula, dois governos de estado e um monte de prefeituras pelo país
afora. Vale imaginar: como teriam governado, se tivessem se saído vitoriosos
naquele verão?
Não satisfeitos com o resultado – uma acachapante aprovação por 385 votos,
suficientes para referendar até emenda constitucional, a 86 –, PT, PSB e PCdoB
foram bater às portas do Supremo Tribunal Federal com uma ação arguindo a
inconstitucionalidade da lei. Logo derrubada liminarmente, até hoje não teve
seu mérito apreciado pelos ministros da corte. Seria curioso se isso viesse a
acontecer, e o governo petista se visse obrigado a argumentar contra uma ação
que o próprio partido propôs.
Não foi apenas contra o governo que o PT se lançou. A tramitação da LRF
suscitou notável participação da sociedade, algo significativo em se tratado de
matéria de reconhecida aridez e de difícil domínio. Por um inovador processo de
debate público, foram colhidas mais de 5 mil sugestões ao texto pela internet.
Daí resultou uma proposta mais avançada do que o que chegou ao Parlamento.
Nada disso foi suficiente para demover a resistência petista.

Austeridade nos estados e municípios


Fato é que, nestes dez anos, a situação das finanças públicas no país tornou-se
muito mais saudável. E poderia estar ainda melhor, caso o governo federal
atuasse da mesma maneira como veem atuando estados e municípios. Neles, a
LRF alcançou seus melhores resultados até agora e, por causa deles, as contas
públicas têm podido dispor de uma condição benigna nos últimos anos.
Estados e municípios veem demonstrando maior responsabilidade fiscal que a
União, sem prejuízo de também realizarem mais investimentos que o governo
federal. Desde 2000, os entes subnacionais aumentaram seu resultado primário
(ou seja, sem considerar despesas com juros) em 0,17% do PIB, enquanto no
nível federal houve queda de 0,38% do PIB. Em 2009, o superávit gerado pelo
governo central foi o menor dos últimos dez anos.
Do lado dos investimentos, é evidente a predominância da atuação de estados
e municípios. Em 2008 (ano mais recente para os quais o Tesouro Nacional tem
dados consolidados de todas as unidades da Federação), a União investiu
0,53% do PIB; estados, 0,77%; e municípios, 0,88%. Ou seja, enquanto o
poder central respondeu por 24% do total aplicado, os demais entes foram
responsáveis por 35% e 40%, respectivamente. É de se perguntar: quem tem
sustentado a agenda de crescimento do país?
Sem limite para gastar
A razão desta assimetria é simples: até hoje não foram aprovados e fixados
limites para os estoques da dívida federal. A União responde por dois terços da
dívida pública líquida (ou mais de 90% da bruta) e, diferentemente de estados
e municípios, não está sujeita a qualquer limitação ou penalidade. Numa
situação assim, não é de se estranhar a pouca responsabilidade que o governo
central tem dispensado às contas do país. Sem amarras, o endividamento
federal cresceu acima do PIB nestes dez anos: 166%, ante 154% da expansão
da economia.
Não satisfeito com a liberdade de que dispõe, o governo Lula tem criado
seguidos subterfúgios para escapar da disciplina imposta pela LRF. O mais
recente diz respeito a alterações na forma de estabelecer a meta de superávit
primário na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2011. Ela deixou de ser
expressa em termos de percentual do PIB e passou a ser apresentada em
valores nominais. Isso significa que, quanto maior for o crescimento da
economia, menor será o esforço fiscal. Além disso, qualquer investimento do
PAC poderá ser deduzido da meta, tornando-a ainda mais branda.
Mesmo com seus muitos êxitos nestes seus dez anos, a Lei de Responsabilidade
Fiscal ainda demanda aperfeiçoamentos. Ela já se tornou uma conquista
inarredável da sociedade, que não abre mão do seu principal preceito: cuidar
com máxima responsabilidade do dinheiro recolhido pelos contribuintes. Aplicar
a lei com rigor é respeitar o cidadão, mas parece que alguns ainda não
entenderam isso ou talvez estejam mais preocupados com suas próprias
conveniências.

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