terça-feira, 31 de agosto de 2010

As eleições e os excluidos pela sociedade



Eles perderam tudo na vida: família, amigos, casa, dignidade. Não são contabilizados em pesquisas de opinião. Não entram em estatísticas eleitorais. Os políticos não os abraçam em campanha. Estão espalhados pelas ruas de Belém, diariamente, invisíveis aos olhos da maior parte da população.

Mas que tudo, os moradores de rua, apesar de muitas vezes não terem noção disso, jamais deixam de ser cidadãos e, como tais, de terem seus direitos à saúde, educação, habitação e acesso à cultura. Enquanto uns apenas lutam diariamente pela sobrevivência, em uma paisagem cada vez mais urbanizada e insensível aos seus problemas, outros decidem ir à luta e reivindicar seu papel junto à democracia, onde o voto é a ferramenta mais importante.


Celso Pantoja dos Santos, 55 anos, não lembra muito bem da idade. Ele hesita em confirmar em que ano nasceu. “Tenho 56 anos. Não, tenho 55. Ah, nasci em 1955, faz as contas aí”, diz. Mas tem uma coisa que ele não esquece. O tempo em que morou nas ruas, por dez anos. Natural do município de Chaves, no Marajó, veio para Belém trabalhando como ajudante em um barco, em 1993. Quando chegou aqui trabalhou como feirante, mas a bebida o levou ao “fundo do poço”. “Foi a cachaça que comecei a tomar e me levou tudo”, confessa.

Na entrevista, contando um pouco da triste experiência, ele confirma que já não entendia direito a vida. Era um ser invisível, sem documentos e sem direitos. “Na rua não tem nada de bom. A pessoa não sabe nada. Não tem amigos, não sabe nem que dia é do mês”, relembra. “Não sabia nada de eleição. Lembro só de ver os carros, comícios, carreatas. Mas, nada daquilo me interessava”.

Em 2003 Celso conheceu o abrigo João de Deus, uma entidade mantida por uma ordem de freiras criada em 1980 e que hoje atende a 29 moradores de rua, que chegam muitas vezes doentes e sem nenhum tipo de amparo. Foi ali que o nosso personagem finalmente pôde se sentir como um membro da sociedade novamente, mesmo sem um endereço fixo e sem perspectiva de futuro. “Ai tirei minha identidade e depois meu título”, fala mostrando o documento, orgulhoso. Para um andarilho das ruas, um simples papel significa muito.

SEM NOÇÃO

Uma das diretoras da entidade, irmã Emília Santos, que trabalha há 30 anos no abrigo João de Deus, desde a sua fundação, afirma que todos aqueles que procuram ajuda ali não têm essa compreensão. “Eles não têm mais noção de que são pessoas que vivem em uma comunidade, onde existe cidadania e ajuda do próximo”, reitera. “Eles chegam sem nada. A gente providencia os documentos deles. Normalmente eles querem a identidade. Títulos são poucos que querem. Eles não se interessam muito em votar”.

Muitos ainda estão nas ruas, praças, calçadas, viadutos, casarões abandonados e continuam assim, abandonados por tudo e todos. Uns sofrem de problemas mentais. Outros são crianças obrigadas a se tornar adultos precoces. Na praça Dom Pedro II, na Cidade Velha, a reportagem do DIÁRIO encontra mais um desses personagens.

Nada amistoso, ele não se permite fotografar, só à distância. E lá vamos nós tentar uma abordagem. Calado, olhando para a frente, diz apenas o primeiro nome, José. Ele está incomodado com nossa presença e apenas diz que não tem documento nem nada. Nos afastamos, melhor deixar ele como quer, sozinho no seu mundo particular.

Assim vivia também Romualdo Sousa, 64 anos, que hoje é um falante ex-morador de rua. “Já voto há quatro eleições. Já elegi o Lula duas vezes”, contabiliza. Mas esse súbito interesse pela política nacional nem sempre foi assim. Em 1992, Romualdo era só mais um pedinte maltrapilhos das calçadas da cidade. “Hoje eu me sinto melhor, como cidadão. Tanto que tirei todos os meus documentos”, diz, espalhando todos eles em cima da mesa.

Hoje, Romualdo trabalha na portaria do abrigo, onde conseguiu amparo em 1993 e desde então não saiu mais de lá. Para ele, a vida mudou completamente e ele não guarda boas recordações daquela época. “Na rua, o cara tem que se virar. Ele se preocupa só em sobreviver, fazer bico, arranjar o almoço, e não com outras coisas. Mas quando que ele sabe o que é política”. (Diário do Pará)


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